BLUES

BLUES É MAIS DO QUE UMA SIMPLES MÚSICA, É A ESSÊNCIA DE UM POVO SOFRIDO, MARCADO PELAS DESIGUALDADES SOCIAIS, MAS ACIMA DE TUDO ELE É UMA ARMA QUE ATINGE A NOSSA ALMA, LEVANDO OS NOSSOS PENSAMENTOS AOS VASTOS CAMPOS DE ALGODÃO, E NOS FAZEM LEMBRAR DE ONDE VIEMOS.
MAS NESSE BLOG AS AMARGURAS OS SOFRIMENTOS CANTADOS NAS LETRAS SÃO ALIVIADOS E CARREGADOS POR UM HOMEM QUE VIVEU A MAIS DE DOIS MIL ANOS ATRÁS E COMO UM BLUES MEN CANTOU A VIDA, E DEU A VIDA EM NOSSO FAVOR E HOJE NOS DÁ A ESPERANÇA DE VIVERMOS UMA NOVA VIDA SEM SOFRIMENTOS PARA CANTAR.
by André

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

NUNO... africano, canadense, brasileiro?... Só sei que ele toca muito...

Hoje falaremos com o cara que sem sombra de duvidas é considerado o melhor guitarrista de blues em atividade no Brasil e um dos melhores do mundo; deveríamos apresenta-lo como um rei ou alguém da corte... mas diante de tão grande simplicidade e humildade o apresentaremos apenas como:
NUNO MINDELIS



God n'B – Com quantos anos vc começou a tocar guitarra? E quem te ensinou os primeiros acordes?

Nuno - Ganhei um violão de verdade aos nove anos de idade e nunca mais parei. Antes dos nove tocava em tudo o que conseguia, fazia violões com latas, madeira, cordas de linha de pesca, caixinhas de charuto, raquetes de tenis etc. Quem me ensinou os primeiros acordes foi um amigo do meu pai , que aparecia em casa de vez em quando. Ele me ensinou "The House of the Rising Sun" . E a partir daí comecei a usá-los em outras músicas, percebi que serviam para várias coisas.


 God n'B - Quando e como foi sua primeira gravação?

 Nuno -A primeira gravação profissional aconteceu aos 14 anos de idade, em 1971. Foi num estúdio em Luanda, uma produção para a Polygram (se bem me lembro) o produtor queria fazer uma experiência de fusão de música africana e guitarra tipo Jimi Hendrix, psicodelia etc. Mandou me chamar na escola, através do filho , que estudava lá também. Recebi um cachê que me deixou a mim e aos meus coleguinhas muito orgulhosos. Com ele, consertei uma motoca que eu costumava usar, uma Maxi-Puch, tipo uma mobilete. Tinhamos deixado de usar calções há pouco, de tão crianças.

God n'B  – Sabemos que nasceu na áfrica e até que ponto a musica africana influenciou seu estilo ou não teve nenhuma influencia?

Nuno -Alguma influência inconsciente deve ter havido, acho muito difícil não sofrê-la naquele contexto. Especialmente no que diz respeito ao ritmo. Mas, como disse, provavelmente inconsciente, subliminar, porque desde cedo eu só dava bola para rock, blues, soul, folk, Jazz.

God n'B - Você; creio eu foi o primeiro bluesman do Brasil que adicionou elementos eletrônicos no blues como samplers, baterias etc... quando você propôs isto o que estava em mente: inventar um novo estilo, atrair outros tipos de pessoas ao estilo enfim o que vc pensou ao fazer essa fusão do eletrônico com o tradicional?

Nuno - Caso tivesse algo em mente, (geralmente ajo por impulso ou sobrevivência psicológica, não tenho nada em mente) era reciclar-me a mim mesmo, toco blues há quarenta anos e ele não mudou desde então. Continua com aquela sonoridade sessentista, setentista. No passado, malucos como Eric Clapton, John Mayall, Rolling Stones, Hendrix , Zeppelin e outros já tinham injetado um monte de eletricidade , rock and roll e psicodelia no blues tradicional do Delta, e isso levou um monte de gerações a conhecê-lo , a conhecer caras como Elmore James, Robert Johnson, Muddy, Howling Wolf etc.. Stevie Ray Vaughan fez o mesmo nos anos 90 , "acordando" o blues que andava hibernando. Ele usou uma mistura de rock com Albert King, Lonnie Mack e Hendrix. Hoje, acredito que a injeção deve ser de eletrônica e elementos musicais mais contemporâneos, como rap, lounge, house, etc. Só assim as novas gerações se interessarão pelo blues e só isso pode voltar a fazê-lo popular, como foi no passado. Senão será mais um artigo precioso mas raro, em prateleiras de museu. Como já parece ser o caso do Jazz tradicional, que já nem toca em festivais ...de Jazz.

God n'B  - Que repercussão causou na critica e entre os fãs mais antigos esse novo cd Free Blues houve uma boa aceitação dessa fusão blues e eletrônica?

Nuno -Recebo muitos inputs de fans tradicionalistas que confessaram ter torcido o nariz no começo , mas depois prestaram mais atenção e acabaram por compreender e gostar bastante dessas experiências. Agora mesmo um purista elogiou Free Blues e disse algo interessante: "minhas últimas gotas de preconceito foram para esse CD" . A crítica gostou, todas as resenhas foram positivas . Mas as maiores reações têm sido nos shows de Free Blues. Tanto "modernos" quanto puristas têm expressado reações muito positivas (eufóricas mesmo) , vários pedidos de bis etc. Na Inglaterra (que é tradicionalista no blues) Free Blues está tocando em várias rádios segmentadas e tem resenhas em veículos importantes, como no Lancashire Telegraph, na Blues Matters etc.

God n'B - Em sua opinião qual foi o melhor cd que você gravou? Aquele que é o seu “xodó” o queridinho do papai? E qual musica você gosta mais de tocar?

Nuno -Nenhum é muito xodó, sou muito crítico comigo mesmo. Sei claramente o que poderia ter sido melhor, agora, em perspectiva. Mas acredito que seja o "Texas Bound", gravado com a Double Trouble. De repente eu estava tocando na Europa e EUA, nas prateleiras mais vendidos de blues na Holanda, Bélgica , Luxemburgo, ao lado de Robert Cray, B.B.King e outros. Foi um frisson, especialmente na Europa, bandas como The Ford Blues Band (família Ford, Robben, Mark, Patrick) abrindo shows meus na França, imprensa francesa escrevendo "Ronaldinho / Romário da guitarra" , coisas assim. Houve algo de mágico naquele disco, que de fato foi gravado sem script nenhum, à pressa, cheio de defeitos de produção, (pela rapidez com que foi gravado, em três dias estava gravado e mixado) mas ao mesmo tempo (e talvez por isso mesmo) tão especial em termos de sonoridade e parceria musical, invenção , enfim. A música que mais gosto de tocar não é minha, nunca a gravei, e só toquei uma vez em show ou num programa de TV, é It's all over now, Baby Blue de Bob Dylan. De discos meus, atualmente é Feeling Alright, de Dave Mason (Traffic) que está no álbum Free Blues.



God n'B  – Como foi conceber a idéia de ser considerado um dos maiores guitarristas do mundo e estar ao lado de outros guitarristas que você admirava quando criança... foi um susto, ou foi tranqüilo algo natural?

Nuno -As coisas nunca acontecem como num conto de fadas (ou num filme americano) . Há um caminho longo de eventuais vitórias menores, entre um começo e uma conquista. Quando você conquista algo que os outros vêm como maior, já não te parece tão primordial, em função dessa estrada de pequenas vitórias. Quero dizer que não consigo ter a mesma sensação que muitos outros têm de que é tão grande eu ter sido considerado um dos maiores guitarristas (independentes) do mundo por uma Bíblia mundial da guitarra , como a Guitar Player Magazine. Quando isso aconteceu, eu já não achava tão diferencial. Dito isto, pode-se dizer que foi algo realmente muito tranquilo e talvez até menos valorizado por mim próprio do que deveria. Eu não tenho lucidez suficiente para avaliar essa vitória como gostaria.

God n'B  – Muitos consideram você o Eric Clapton brasileiro, mas eu ti considero o SRV brasileiro com uma pitada de BB King... Como o blues não teve influencia genuína brasileira as pessoas assim como eu tende a fazer comparações. Como você lida com essas comparações?

Nuno -A comparação só me faz mal quando deprecia. Não quando aprecia. Ser comparado a alguém que começou a tocar anteontem (para ficar famoso e não pela arte, como tem sido reiteradamente comum infelizmente) por uma crítica ou um público que não sabem o que dizem, é depreciação e realmente me machuca. E acontece muito mais do que se imagina. Ser comparado com SRV com uma pitada de B.B.King , apesar de não estar correto, é algo que me aprecia, me valoriza. E entendo que não está correto por causa da parte que compara a SRV, do qual não tive influência nenhuma, na verdade ouvimos as mesmas coisas, somos quase da mesma idade, e ninguém é influenciado depois de uma certa idade, só ouvi SRV quando já beirava os quarenta anos, creio. Mas está correto no que toca a B.B.King, que ouvi aos nove anos de idade, e que foi uma influência central, decisiva, contundente. (SRV deveria ter 14 ou 15 nessa altura, portanto nem existia fonograficamente)

God n'B  – Por falar no Stevie Ray em 96 você gravou o álbum Texas Bound com o Double and Trouble a banda que acompanhou SRV como foi essa experiência?

Nuno -Foi uma experiência muito gratificante, gravamos o disco Texas Bound em menos de três dias, (1 dia e meio de gravação e outro tanto de mixagem). Depois gravamos outro álbum, Blues on the Outside , um pouquinho mais de tempo, uma semana.(dois dias de banda e restante para mix e overdubs, backing vocals, metais etc.) . Durante esses períodos sempre demos bastante risada, ouvi grandes histórias, almoçamos e jantamos seguido etc.. Eu já era fan de Tommy Shannon de muito antes de SRV e de Double Trouble, da época que ele tocou com Johnny Winter e com Uncle John Turner. (inclusive em Woodstock) . Eu tinha uns 14 anos, 1971 a 73 por aí. Aliás, o Uncle John que eu idolatrava de pequenininho virou um enorme amigo, fiquei muito mal com a sua morte há uns dois ou três anos atrás. Com todos eles fiz turnês, com Double Trouble aqui no Brasil inclusive, extensa, que incluiu encerramento no Credicard Hall. Com Uncle John na Europa , EUA e Brasil. Aprendi mais com ele em alguns anos durante essas turnês do que em 30 anos com outras pessoas. O Chris e o Tommy quiseram produzir um disco meu , insistiram várias vezes. E eu acabei deixando passar. Não me arrependo de nada, mas essa está começando a chegar perto...os convidados poderiam ser do quilate de Dr.John, Doyle Bramhall Jr , e coisas do tipo.

God n'B  - Qual tipo de relação você tem com Stevie Ray e até que ponto a musica dele influenciou vc?

Nuno -Na real nunca conheci o Stevie pessoalmente. Ele já tinha morrido, quando gravei com a Double Trouble. Do ponto de vista musical, como disse, não tenho influência direta. A indireta fica por conta do que nós dois ouviamos, praticamente ao mesmo tempo, quando crianças. Freddy King, B.B.King, Albert King, Lonnie Mack, por exemplo. Isso deixa as coisas parecidas, eventualmente. Stevie influenciou as gerações dos 90s, não as anteriores . Eu comecei a ouvir blues nos anos sessenta, trinta anos antes, e quase de fralda. As minhas influências foram Hendrix, (ouvi aos 12) Santana, Elmore James, Skip James, (idem) Otis Redding e Booker T & The Mgs (ouvi aos nove), B.B.King, Big Bill Broonzy, (ouvi aos 10) Canned Heat, John Lee Hooker e bandas de rock inglês, de Zeppelin a Fletwood Mack, Ten Years After, Jeff Beck, Bluesbrakers (aos 14 e 15 ) etc. etc.etc. Aos 17 já ouvia muito jazz também (e fusion, John "Mahavishnu" Mclaughlin, Return to Forever, Miles Davis) e nessa idade fui exilado, deixei de ouvir durante um período muito complicado da minha vida. Depois disso só fui influenciado por George Benson aos 19 anos, e mais um guitarrista ou outro, Wes Montgomery, Jim Hall. Fim de influência na guitarra. Pelo menos direta, consciente.

God n'B  - Quais são suas maiores influencias no blues? E na musica brasileira?

Nuno -B.B.King, Albert King, Bluesbreakers, Canned Heat, Willie Dixon, Skip James, Jimmy Reed, Otis Span, Howling Wolf, John Lee Hooker, Jimi Hendrix, Booker T. & The Mgs e muitos outros, impossível citar todos com precisão. Na música brasileira Roberto e Erasmo Carlos, (ouvi na mesma época que ouvia B.B.King quando criança) , Jorge Ben, (ídem) Chico, Novos Baianos etc.

God n'B - Quais equipamentos você tem usado ultimamente?

Nuno -O meu amplificador de sempre (desde criança) é o Fender Twin Reverb (blackface). Guitarra, tenho usado em shows uma Gibson SG 1972 (ainda da fábrica original de Kalamazoo) . Às vezes levo uma Fender 1958 original ou uma Shecter Telecaster que ganhei da Guitar Player Magazine/EUA. Além disso , um Wah Wah velhinho, da Dunlop, chamado Jimi Hendrix.

God n'B  - É patrocinado por alguma marca?

Nuno -Por um tempo fui endorser da Gibson, (faz tempo) e depois da Fender/EUA, através da representante no Brasil. Acho que fiquei muito viciado na Gibson SG e eles desistiram de mim ... rs rs rs... Mas de fato o endorsement se referia a cordas , não a guitarra e eu usava Fender em parte do show , sempre. Conforme a maioria dos contratos preconiza.

God n'B  - Você já esteve ao lado dos grandes mestres do blues BB King, Robert Cray, o próprio Double and Trouble, tem algum que você sonha em tocar junto e ainda não realizou esse sonho?

Nuno -Eu sonho em tocar com o B.B King (repare que nunca toquei com ele, embora tenha tocado em vários festivais onde ele também tocava, e tenha aberto show dele em SP) e com o Eric Clapton. Praticamente só tenho sonhos com eles. Com o B.B vai ficando mais difícil, ele está com 82 ou 83 anos e começa a não andar por aí muito disponível. De qualquer forma também já não alimento tantos sonhos como antes, quando era bem mais jovem. Me sinto bem como as coisas estão.

God n'B  – Com tantos modismos na musica; com essas bandas coloridas e etc... Como você analisa o mercado do blues no Brasil?

Nuno -Pode-se dizer que é um mercado guerreiro e tanto. Continua sobrevivendo apesar de estar abaixo do underground. Se repararmos, os chamados independentes têm associações, conseguem representantes no congresso para as suas causas, pegam dinheiro em Lei Rouanet, etc. O blues nem isso. Depois, não é "música da terra" , tem a antipatia de um monte de setores, promotores, etc. É um fenômeno muito mais de músico e de platéia do que de indústria, de mercado ou de mídia.

God n'B - Nós já demos grandes passos em relação ao blues no Brasil, mas ainda analiso que não chegamos lá. Ainda existe pouco espaço principalmente na mídia televisiva ainda é um estilo muito restrito a grandes centros como o capital falo isso porque na minha cidade e arredores é raro ter um show de blues ou um festival que vá pra frente. O que você acha que esta faltando para que o povo possa assimilar de vez este estilo no Brasil?

Nuno -Basicamente falta divulgação. O público gosta de blues invariavelmente , quando lhe é dado conhecer o gênero. O problema é que essa informação não chega a ele. Ele não tem como gostar de algo que não conhece. Ainda estamos num tempo em que só é considerado música o que está na mídia nacional, de massa. O Brasil é sertanejo, se fizermos algumas contas simples, isso fica claríssimo.

God n'B  – Que dica você da para aquelas bandas que estão começando a trilhar a caminhada do blues no Brasil?

Nuno -Você não vai gostar, mas eu diria para trilharem o caminho lá fora, com prioridade para os EUA. Enquanto são jovens.

God n'B  - Para encerrar se hj você estivesse frente a frente com Deus o que falaria com Ele?

Nuno -Pediria vida eterna para todos os seres do Universo. Sei que já é alegada e tida como certa pela maioria das religiões, mas aproveitaria para ouvir essa promessa dele próprio.

God n'B – Deixo esse espaço para agenda de shows. Obrigado pelo espaço.

Nuno -Curitiba, no SESC da Esquina, no dia 18 de novembro e
São Paulo, no Ao Vivo Music, no dia 02 de dezembro.
Os outros ainda estão em fase de negociação.

obrigado pela atenção...
Eu agradeço, uma vez mais, pela oportunidade desta entrevista .
Nuno Mindelis.

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